quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Um Banho

É madrugada e estou no banho. E como é bom banhar-se enquanto o Ocidente dorme! Bem, estou no banho e, como todos sabem, no banho nos tornamos cantores ou filósofos. Ocorreu-me o segundo caso.
Já disseram que filosofar é aprender a morrer e, confesso, não compreendi muito bem a proposição. Entretanto, refletindo acerca dos fatores atuais de minha anônima existência, observei que as maiores adversidades prescritas por minha carta natal haviam já sido superadas. Resumidamente, vejamos: conquistei certa estabilidade financeira e grande liberdade, superei a zona de conforto que a ignorância é capaz de proporcionar e, o mais importante, encontrei o grande amor de minha vida.
Tudo parece belo e um tanto quanto mágico enquanto permaneço envolto nos vapores da água que cai. Tudo tende a impelir-me à vida em sua maior intensidade e plenitude. Mas, relembrando Montaigne, filosofar é aprender a morrer, e o desejo tímido que me surge do íntimo não é outro senão esse. Que é um desejo não diria, mas uma suposição, isso sim. Se pudesse escolher o dia de minha morte, este dia seria hoje. Mais precisamente, dentro de três quartos de hora, naqueles acidentes de carro que observamos da pista ao lado num misto de espanto e desdém.
Que fim teria meu dinheiro? Não sei. Qual a dimensão de minha nova liberdade? Menor não seria. E quanto ao grande amor de minha vida? Esta, talvez, encontrasse amor ainda maior. Um mês de respeitosa tristeza e a vida dos vivos se renova.
Que a morte me tire desta vida antes que a vida recobre os bens que me há emprestado.

O Infinito e a Pedra -à um casal de amigos-

O Infinito e a Pedra by André Prosperi