domingo, 28 de agosto de 2011

Soneto Fecal


Cagar lendo jornal é uma delícia:
é merda que entra e sai ao mesmo tempo,
de modo a não cessar o suprimento
de bosta literal ou fictícia.

Alívio imenso tem quem lê e defeca
ao ver  que seu cocô é um mero nada.
- Num mundo feito inteiro de cagada
melhor borrar o mundo que a  cueca!

Cagar lendo jornal nos traz clareza,
faz bem ao bolso, amplia a inteligência
e ajuda a preservar a natureza

porque, nesta privada  experiência
limpamos, com astúcia e com destreza,
no mesmo instante o cu e a consciência.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Não é que não me queiram muito bem
Apenas não me querem assim: perto.
E ainda que quisessem, estou certo,
Eu mesmo afastaria todo alguém.

O outro indaga “então por que se importa
Se é tudo solidão no fim das contas?
A flecha não se ocupa do que aponta.
O acerto, essa é a verdade que a conforta!”

Que ingênua objeção, hão de convir.
Se o fim é a menor parte do traçado
E o risco é o que define o “aonde ir”.

O caso é que largaram-me de lado
Mas, se puder, vou sempre preferir
Abandonar a ser abandonado.

domingo, 14 de agosto de 2011

Soneto Dolorido

Embora tentemos a todo o custo
São raros os que a mão do acaso afaga.
Na vida há  tanta dor e tanta praga
Oh, mundo tão cruel e tão injusto.

Na áfrica crianças sentem fome
E às vezes, por exemplo, algumas morrem.
É triste, eu sei, e de fato até ocorre
De haver nos U.S.A  uns que não comem.

Sofrer a dor do outro é ato nobre
Talvez nos torne humanos de verdade
Mas é meu caso hoje bem mais pobre.

Não sofro a dor do mundo e as maldades
- por mais que a minha consciência cobre.
A dor de hoje é simples: são saudades.

Amadamoda


Soneto Babaísta

Babás, que dos bebês limpam as babas,
Os gorfos, merdas verdes e amarelas,
Que em meio a fraldas mil emergem belas:
Cuideis também de quem carrega barbas

Mandeis, pois, tudo pra casa do catso
Que a arte seja motivo de afã
que ouvir calypso cause-lhes colapsos
que o mal seja curado ao ler Lacan

Babás de todo o meu Brasil, uni-vos!
Não tendes a perder senão chupetas
(No uso mais formal do substantivo)

Sabeis que as coisas por aqui vão pretas
embora o pensamento positivo
tenha tomado conta do planeta.

Telesoneto


O mal não tem dinheiro, mas trabalha.
Tem voz mas não tem face - coisa irônica!
Enquanto a gente chora ele gargalha,
polindo o vil crachá da telefonica.
Pastamos em seu vasto latifúndio
a um passo do suicídio. Ruminando
os verbos conjugados no gerúndio
(perdoem-me os Arlindos e os Fernandos).

- Senhor, o protocolo não condiz.
Assim o atendimento não caminha...
- Mas eu nem anotei, seu infeliz!

Pois bem, nosso pudor se desalinha,
e quando a gente se encoraja e diz:
“seu filho de uma... ” putz, cai a linha.

Soneto Verde


Respeito quem protege a natureza,
quem cuida das plantinhas e dos bichos                       Confesso que até eu separo os lixos,                          poupando ao catador esta despesa


Ocorre que, entretanto, a via oposta
demonstra um quadro muito diferente:
quem vive como eu não é mais gente,                          
é monstro que se mata e come bosta.
Controlam o meu tempo de chuveiro,
e só porque não nego à grama a poda
me tratam como horrível baleeiro.
Não é o preconceito que incomoda,
é ter de ouvir conselho o tempo inteiro
Agora que ser chato virou moda.

Soneto Simpático


Afora Deus, só o chato é onipresente.
Mas Deus não aparece toda hora.
O chato, porém, surge e se demora
por mais que nosso adeus seja insistente.
No mundo há vários chatos. Entretanto,
há um tipo que encabeça a hierarquia:
aquele que não mede a simpatia
e cuja empolgação nos causa espanto.
Prefiro a companhia de um macaco
ao papo desta gente linguaruda
que vive só pra encher o nosso saco.
Se está angustiado, não se iluda.
O chato sempre trás sob o sovaco,
além do cheiro, um livro de auto-ajuda.

Soneto Breve

Os tais
que piscam
se arriscam
demais.

Pois tudo
é rápido
- e pálido
e mudo.

Ponteiros
nos dão
roteiros.

Coveiros,
a mão
e o chão.

Soneto Inspirado no Glauco

Não tem me agradado esta brincadeira.
Pensas que não dói, só porque não quebra?
Pois saiba que meu pau não é britadeira,
afasta este seu cú feito de pedra.

Prefiro dar de cara contra o muro
a suportar você vindo de costas.
Difícil mesmo é crer que saia bosta
de um orifício assim, quase sem furo.

Pior que a pica mole, é a prega dura.
Alude um famosíssimo ditado
despido de otimismo e de censura

Tenho investido esforço exacerbado,
perdoe se em teu peito a dor perdura
mas trago aqui um membro calejado.

O Moço

Pinta a cara de palhaço e dá risada
Como se fosse parte dele a maquilagem
Como se a pele absorvesse as pinceladas
e tornasse transparente a camuflagem

Ao ver tapada a boca de todos os poros
veste a camisa cor amarelo-canário
pra combinar com o tom de azul dos suspensórios
e a calça verde do uniforme imaginário

Põe a bota vermelha de cano baixo
Machuca os pés, no entanto, alegra seu caminho
E pra que um passo não se sinta tão sozinho
deixa um cadarço unido ao outro por um laço

A queda é feia, mas faz parte do espetáculo
se alguém mais estivesse ali, tenho certeza
que de tanto gargalhar, perdia o cálculo
do quanto há de dor naquele que rasteja 

Amadamoda I

A mídia banca
a banda toca
a bunda balança
e ganha nota

O cérebro evapora
o seio cresce
o rico enriquece
o pobre adora

Mas a gente tá feliz.
É isso o que a gente aprende
é isso o que a gente diz.

Amadamoda II

A mídia molda
a amada moda
que molda a média
com bela roupa
que cobre a pele
de um belo corpo
que feito roupa
que está na moda
esconde a pele
da alma morta.

Mente

A mente mentirosa
Mente mentirosamente

A mente sincera
Mente sinceramente


- Se se mente
Ou se não se mente

O sêmen semeia
A semente

Círculo

Toda vez que eu chego
o fim escapa,

foge, inda mata-me
o sossego.

Me deixa em desespero
e sem mapa

sob a placa
de algum recomeço.

Prece ao Prédio

Oh prédio, arquitetônica expressão
composta, entre outras coisas, de cimento.
Carrega na cabeça o firmamento
enquanto, sob os pés, espreme o chão

No esôfago comporta um elevador
que leva e traz, com mais facilidade,
O sumo sugado da humanidade.
Suor salgado, filho do labor.

Permita a mim que eu fique do outro lado,
eu rogo a ti, ilustre monumento
que fica erguido, em pé, porém, parado.

Engula-me também lá para dentro
Depois me cuspa privilegiado
Munido de gravata e sem lamento.

oi