quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Soneto Sem Brilho

A vida, com o tempo, perde a cor
e leva-nos sem brilho ao cemitério.
O tempo que ela dura é um mistério,
apenas saberei quando me for.

Mas já que ainda vivo, eis um apelo:
não prive a mim de minha propria vida.
Se o peso é todo meu, por que a medida
depende de seu sim, não de meu zêlo?

Futuro, dizem, quem conhece é Deus.
A escolha é minha, e não de outro alguém
- que eu pague os meus pecados, não os seus.

Por entre as grades do seu “querer bem”
escapam meu desprezo, meu adeus
e, aberto o espaço, escapo eu tambem.  

sábado, 26 de novembro de 2011

Fluxo fixo

Perplexo com o fluxo das idéias
no eterno discorrer do dia a dia,
meu cérebro se esforça em apinéia
e meu verso morre por asfixia.

No lugar das palavras são as coisas
que falam. Feito coisas as palavras
passam. Já que não encontram mais bocas,
fogem dos ralos por onde, caladas,
escorrem, escondem-se e morrem. Poucas
escapam e, no buraco do ouvido
alheio pulam. São tidas como loucas
quando audíveis ao indivíduo
alheio, pulam. São tidas como loucas,
escapam e, no buraco do ouvido
escorrem, escondem-se e morrem. Poucas
fogem dos ralos por onde, caladas,
passam, já que não encontram mais bocas
que falam. Feito coisas, as palavras
no lugar das palavras, são as coisas.

E meu verso morre por asfixia.
Meu cérebro se esforça em apinéia
no eterno discorrer do dia a dia,
perplexo com o fluxo das idéias.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Soneto Pequeno

O mundo é grande e eu sou pequenino.
O mundo, na verdade, é bem gigante.
O resto, bem, não é significante.
O mundo é homem. Eu, mero menino.

Os homens são tão grandes neste mundo
que o resto todo é só poeira e vento
sem rumo. Apenas tempo e movimento,
é hora o homem. Eu, nem um segundo.

Um  grão, nesta ampulheta que não vira.
Deixei o vão, a queda vivo assim.
Meu alvo é chão, dispenso, pois, a mira.

Afirmam que algo há de eterno em mim,
mas como acreditar nesta mentira?
Um pingo e pronto: um ponto marca o fim.

Autoconselhos

Reserva ao teu destino o necessário.
Confie à sorte o premio que lhe cabe.
- da sorte é bom saber que não se sabe.
Distingue, então, caminho e itinerário.

Não culpe o sol que brilha do outro lado
por ser a noite escura e fria o caso.
Não culpe o tic-tac e nem o atraso,
o tempo é indiferente e sossegado.

Vai já dormir sozinho, triste e rouco,
pois nenhum deus ouviu a tua prece.
A prece de quem berra feito um louco:

“Quem dera a minha amada hoje viesse
e o sol aqui ficasse mais um pouco
dourando a duração que ela merece!”

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Um Banho

É madrugada e estou no banho. E como é bom banhar-se enquanto o Ocidente dorme! Bem, estou no banho e, como todos sabem, no banho nos tornamos cantores ou filósofos. Ocorreu-me o segundo caso.
Já disseram que filosofar é aprender a morrer e, confesso, não compreendi muito bem a proposição. Entretanto, refletindo acerca dos fatores atuais de minha anônima existência, observei que as maiores adversidades prescritas por minha carta natal haviam já sido superadas. Resumidamente, vejamos: conquistei certa estabilidade financeira e grande liberdade, superei a zona de conforto que a ignorância é capaz de proporcionar e, o mais importante, encontrei o grande amor de minha vida.
Tudo parece belo e um tanto quanto mágico enquanto permaneço envolto nos vapores da água que cai. Tudo tende a impelir-me à vida em sua maior intensidade e plenitude. Mas, relembrando Montaigne, filosofar é aprender a morrer, e o desejo tímido que me surge do íntimo não é outro senão esse. Que é um desejo não diria, mas uma suposição, isso sim. Se pudesse escolher o dia de minha morte, este dia seria hoje. Mais precisamente, dentro de três quartos de hora, naqueles acidentes de carro que observamos da pista ao lado num misto de espanto e desdém.
Que fim teria meu dinheiro? Não sei. Qual a dimensão de minha nova liberdade? Menor não seria. E quanto ao grande amor de minha vida? Esta, talvez, encontrasse amor ainda maior. Um mês de respeitosa tristeza e a vida dos vivos se renova.
Que a morte me tire desta vida antes que a vida recobre os bens que me há emprestado.

O Infinito e a Pedra -à um casal de amigos-

O Infinito e a Pedra by André Prosperi

domingo, 28 de agosto de 2011

Soneto Fecal


Cagar lendo jornal é uma delícia:
é merda que entra e sai ao mesmo tempo,
de modo a não cessar o suprimento
de bosta literal ou fictícia.

Alívio imenso tem quem lê e defeca
ao ver  que seu cocô é um mero nada.
- Num mundo feito inteiro de cagada
melhor borrar o mundo que a  cueca!

Cagar lendo jornal nos traz clareza,
faz bem ao bolso, amplia a inteligência
e ajuda a preservar a natureza

porque, nesta privada  experiência
limpamos, com astúcia e com destreza,
no mesmo instante o cu e a consciência.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Não é que não me queiram muito bem
Apenas não me querem assim: perto.
E ainda que quisessem, estou certo,
Eu mesmo afastaria todo alguém.

O outro indaga “então por que se importa
Se é tudo solidão no fim das contas?
A flecha não se ocupa do que aponta.
O acerto, essa é a verdade que a conforta!”

Que ingênua objeção, hão de convir.
Se o fim é a menor parte do traçado
E o risco é o que define o “aonde ir”.

O caso é que largaram-me de lado
Mas, se puder, vou sempre preferir
Abandonar a ser abandonado.

domingo, 14 de agosto de 2011

Soneto Dolorido

Embora tentemos a todo o custo
São raros os que a mão do acaso afaga.
Na vida há  tanta dor e tanta praga
Oh, mundo tão cruel e tão injusto.

Na áfrica crianças sentem fome
E às vezes, por exemplo, algumas morrem.
É triste, eu sei, e de fato até ocorre
De haver nos U.S.A  uns que não comem.

Sofrer a dor do outro é ato nobre
Talvez nos torne humanos de verdade
Mas é meu caso hoje bem mais pobre.

Não sofro a dor do mundo e as maldades
- por mais que a minha consciência cobre.
A dor de hoje é simples: são saudades.

Amadamoda


Soneto Babaísta

Babás, que dos bebês limpam as babas,
Os gorfos, merdas verdes e amarelas,
Que em meio a fraldas mil emergem belas:
Cuideis também de quem carrega barbas

Mandeis, pois, tudo pra casa do catso
Que a arte seja motivo de afã
que ouvir calypso cause-lhes colapsos
que o mal seja curado ao ler Lacan

Babás de todo o meu Brasil, uni-vos!
Não tendes a perder senão chupetas
(No uso mais formal do substantivo)

Sabeis que as coisas por aqui vão pretas
embora o pensamento positivo
tenha tomado conta do planeta.

Telesoneto


O mal não tem dinheiro, mas trabalha.
Tem voz mas não tem face - coisa irônica!
Enquanto a gente chora ele gargalha,
polindo o vil crachá da telefonica.
Pastamos em seu vasto latifúndio
a um passo do suicídio. Ruminando
os verbos conjugados no gerúndio
(perdoem-me os Arlindos e os Fernandos).

- Senhor, o protocolo não condiz.
Assim o atendimento não caminha...
- Mas eu nem anotei, seu infeliz!

Pois bem, nosso pudor se desalinha,
e quando a gente se encoraja e diz:
“seu filho de uma... ” putz, cai a linha.

Soneto Verde


Respeito quem protege a natureza,
quem cuida das plantinhas e dos bichos                       Confesso que até eu separo os lixos,                          poupando ao catador esta despesa


Ocorre que, entretanto, a via oposta
demonstra um quadro muito diferente:
quem vive como eu não é mais gente,                          
é monstro que se mata e come bosta.
Controlam o meu tempo de chuveiro,
e só porque não nego à grama a poda
me tratam como horrível baleeiro.
Não é o preconceito que incomoda,
é ter de ouvir conselho o tempo inteiro
Agora que ser chato virou moda.

Soneto Simpático


Afora Deus, só o chato é onipresente.
Mas Deus não aparece toda hora.
O chato, porém, surge e se demora
por mais que nosso adeus seja insistente.
No mundo há vários chatos. Entretanto,
há um tipo que encabeça a hierarquia:
aquele que não mede a simpatia
e cuja empolgação nos causa espanto.
Prefiro a companhia de um macaco
ao papo desta gente linguaruda
que vive só pra encher o nosso saco.
Se está angustiado, não se iluda.
O chato sempre trás sob o sovaco,
além do cheiro, um livro de auto-ajuda.

Soneto Breve

Os tais
que piscam
se arriscam
demais.

Pois tudo
é rápido
- e pálido
e mudo.

Ponteiros
nos dão
roteiros.

Coveiros,
a mão
e o chão.

Soneto Inspirado no Glauco

Não tem me agradado esta brincadeira.
Pensas que não dói, só porque não quebra?
Pois saiba que meu pau não é britadeira,
afasta este seu cú feito de pedra.

Prefiro dar de cara contra o muro
a suportar você vindo de costas.
Difícil mesmo é crer que saia bosta
de um orifício assim, quase sem furo.

Pior que a pica mole, é a prega dura.
Alude um famosíssimo ditado
despido de otimismo e de censura

Tenho investido esforço exacerbado,
perdoe se em teu peito a dor perdura
mas trago aqui um membro calejado.

O Moço

Pinta a cara de palhaço e dá risada
Como se fosse parte dele a maquilagem
Como se a pele absorvesse as pinceladas
e tornasse transparente a camuflagem

Ao ver tapada a boca de todos os poros
veste a camisa cor amarelo-canário
pra combinar com o tom de azul dos suspensórios
e a calça verde do uniforme imaginário

Põe a bota vermelha de cano baixo
Machuca os pés, no entanto, alegra seu caminho
E pra que um passo não se sinta tão sozinho
deixa um cadarço unido ao outro por um laço

A queda é feia, mas faz parte do espetáculo
se alguém mais estivesse ali, tenho certeza
que de tanto gargalhar, perdia o cálculo
do quanto há de dor naquele que rasteja 

Amadamoda I

A mídia banca
a banda toca
a bunda balança
e ganha nota

O cérebro evapora
o seio cresce
o rico enriquece
o pobre adora

Mas a gente tá feliz.
É isso o que a gente aprende
é isso o que a gente diz.

Amadamoda II

A mídia molda
a amada moda
que molda a média
com bela roupa
que cobre a pele
de um belo corpo
que feito roupa
que está na moda
esconde a pele
da alma morta.

Mente

A mente mentirosa
Mente mentirosamente

A mente sincera
Mente sinceramente


- Se se mente
Ou se não se mente

O sêmen semeia
A semente

Círculo

Toda vez que eu chego
o fim escapa,

foge, inda mata-me
o sossego.

Me deixa em desespero
e sem mapa

sob a placa
de algum recomeço.

Prece ao Prédio

Oh prédio, arquitetônica expressão
composta, entre outras coisas, de cimento.
Carrega na cabeça o firmamento
enquanto, sob os pés, espreme o chão

No esôfago comporta um elevador
que leva e traz, com mais facilidade,
O sumo sugado da humanidade.
Suor salgado, filho do labor.

Permita a mim que eu fique do outro lado,
eu rogo a ti, ilustre monumento
que fica erguido, em pé, porém, parado.

Engula-me também lá para dentro
Depois me cuspa privilegiado
Munido de gravata e sem lamento.

oi