quinta-feira, 21 de junho de 2012

A Gota

Não sei como fechar minha torneira.
Confesso, já fiz tudo o que podia
mas toda a paz que finjo ter de dia
dilui-se à noite ao som dessa goteira.

Em cada “ploc” eu vejo a face nua,
despida do que havia mascarado
–um crime cometido ou um pecado
e, assim, o meu pesar se perpetua.

Um pingo d’água (coisa tão pequena!)
destrói minha razão, anula a crença,
me faz abrir os olhos. Me condena.

Não posso mais forjar indiferença:
a culpa é, em si mesma, a própria pena
e assina, em cada gota, uma sentença.

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Soneto de um Suicida

Viver, ah! Por si só, não vale a pena!
Nos serve meramente de veículo
pra encher o bolso e esvaziar testículos
enfim, beber do tempo que envenena.

Não presto-me hoje a queixas, entretanto.
Sei bem que tudo pode ser revisto;
que o mal não seja mau, tal qual insinto.
Mas hoje ele venceu –e não me espanto.

Não chore, meu amor, minha partida.
Nem sofra, minha mãe, por este filho.
Que a pele nova cubra essa ferida...

Meus olhos que, já há muito, não tem brilho
Se fecham, sem remorso para a vida.
Perdoem-me, puxei o meu gatilho.

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Soneto do Rato

Ó pássaro, que voa lá no alto
por núvens que obnublam-me a visão,
vislumbro-te o adejar aqui do chão
e toma-me o espavento assim, de assalto.

I’m  sorry, if I am looking like a “nerd”,
mas noto a  galhardia de sobejo
e venho invectivar-lhe em meu bradejo:
Je suis jusqu’à mon cou de cette merde!

De longe é bem mais fácil ser bonito,
não há um que discorde, isso é um fato.
Pois bem, sem desacordo, sem conflito.

Desculpe, então, cortar o seu barato.
Tu vês, ó ave, apenas o finito,
o céu, pos sua vez, quem vê é o rato.

sábado, 7 de abril de 2012

Soneto do Túnel Vertical

“No fim do túnel sempre haverá luz”
taí algo que ouvimos toda hora.
Soubessem eles onde estou agora
pra ver como este papo não seduz...

No túnel vertical de uma só boca
Há apenas queda. Luz, só no começo.
No fim, a lama. O preço do tropeço
é dar de cara numa vida oca.

Quem dera o existir fosse mais raso,
Mas não, quanto mais cavo, mais afundo.
Mas não, quanto mais corro, mais me atraso!

Talvez não seja assim com todo o mundo,
apenas narro aqui o que é meu caso:
cavei meu próprio poço e estou no fundo.

Soneto Sem Ética

Não posso promover o que reprovo
e ostento a hipocrisia até o fim.
Pois vai que um dia fazem contra mim
o mesmo que hoje faço quando trovo...

Enfeito a consciência com nanquim,
me borro todo e finjo que renovo
um eu que, quando é outro, desaprovo
dizendo: “meu amor, não faça assim”.

Me escondo sob a máscara do artista.
O risco é perder tudo, mas não ligo,
há sempre uma desculpa em minha lista.

E é claro que o problema não é comigo.
Palavra é bola, sou malabarista
e o centro do universo é meu umbigo.

sábado, 4 de fevereiro de 2012

Soneto do ônibus

Você diz que me ama com frequencia
mas fica aí parada e não faz nada.
Me espera e se despede assim, deitada,
por falta de interesse ou inocência.

Há sempre alguma coisa em seu caminho
que a impede de buscar-me vez em quando.
E quanto a mim, Deus sabe o quanto ando
pra, no final, deitar-me aqui, sozinho.

Engulo todo o choro e vou calado,
mas dou-te um beijo antes da partida
e  ao menos um dos dois se sente amado.

Não  tenha pena, não. É minha vida.
Um dia pego um ônibus lotado
e pago uma passagem só de ida.